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ENTREVISTA: ANDRÉ BAETA RELEMBRA PERÍODOS EM QUE PRESIDIU CONSELHO DELIBERATIVO E AUXILIOU NA EDIÇÃO DE ORIENTAÇÕES TÉCNICAS DO IBRAOP EM ENTREVISTA

 

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O Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas comemora 20 anos de fundação em 2020 e, por esse motivo, tem entrevistado engenheiros colaboradores que participaram dessa história e, portanto, contribuíram com a consolidação técnica do Ibraop.

O engenheiro mecânico André Pachioni Baeta é uma dessas pessoas. Ele foi eleito presidente do Conselho Deliberativo do Ibraop para os biênios 2013-2014 e 2015-2016. Coordenou, ainda, a elaboração de duas Orientações Técnicas: a OT-IBR 004/2012, que trata de ‘Precisão do Orçamento de Obras Públicas’ e a OT-IBR 005/2012, que trata de ‘Métodos e Procedimentos para Apuração de Sobrepreço e Superfaturamento em Obras Públicas’. 

Saiba mais na entrevista abaixo:

IBRAOP: Como você vê o Ibraop depois desses 20 anos?

AB: O Ibraop tem se consolidado como um importante fórum para o aprimoramento da gestão e do controle das contratações de obras públicas, motivo pelo quanto tanto o Tribunal de Contas da União quanto vários outros Tribunais de Contas dos Estados ou dos Municípios são afiliados ao instituto. Suas orientações técnicas exercem um importante papel pedagógico para os gestores públicos em geral e servem de balizamento para fundamentar a produção de jurisprudência pelos Tribunais de Contas.

Eu ainda vejo outro importante benefício advindo da participação dos auditores em eventos e trabalhos conduzidos pelo Ibraop, que pode ser sintetizado pela uniformização de entendimentos entre os diferentes órgãos de controle.

Com efeito, para as cortes de contas, não existe paralelo com o Instituto da súmula vinculante que foi criada a partir da inclusão do artigo 103-A na Constituição Federal por meio da EC 45/2004, conferindo ao STF a possibilidade de editar verbetes com efeito vinculante que contêm, de forma concisa, a jurisprudência consolidada da Corte sobre determinada matéria.

No âmbito do Poder Judiciário, a súmula vinculante tem poder normativo, conforme estabelece a lei que a regulamentou (Lei 11.417/2006), razão pela qual vincula ainda a Administração Pública em todas suas esferas a adotar entendimento pacificado da Suprema Corte sobre o enunciado.

As cortes de contas, por outro lado, por serem órgãos com competências autônomas, podem adotar linhas de entendimento diferentes em relação a matérias similares. Assim, as discussões travadas no âmbito do Ibraop, por auditores de diferentes Tribunais de Contas, contribui para que as respectivas jurisprudências convirjam ao longo do tempo.

IBRAOP: Você teve uma participação efetiva, como Coordenador, na edição das Orientações Técnicas OT 004/2012 (Precisão do Orçamento de Obras Públicas) e OT 005/2012 (Métodos e Procedimentos para Apuração de Sobrepreço e Superfaturamento em Obras Públicas). Como foi esse trabalho?

AB: As duas orientações técnicas contaram com 22 autores de diferentes Tribunais de Contas e de outros órgãos de controle (CGU e Polícia Federal). O grande número de integrantes e a controvérsia envolvida nos temas tornaram as discussões bem acaloradas. Eu já havia participado antes da elaboração da OT 002/2009 (diferenciação entre obra e serviços de engenharia) e confesso que o alinhamento entre os participantes ocorreu de forma mais simples do que nas OTs 4 e 5. 

Como boa prática para a elaboração de futuras OTs pelo Ibraop, eu recomendaria que o coordenador do grupo redigisse previamente um texto base, para que as discussões fossem iniciadas a partir de um documento preliminar. Outra sugestão importante é a realização de reuniões presenciais, que facilitam muito o encaminhamento da matéria, assim como o alinhamento entre os integrantes do grupo. 

No caso das OTs 4 e 5, não houve consenso sobre determinados assuntos e, diante de algumas propostas distintas sobre alguns itens do texto, a matéria foi encaminhada para votação por meio de uma matriz previamente estruturada. 

Em suma, creio que a minha contribuição como coordenador foi construir um texto inicial e depois tentar consolidar as contribuições ao texto e encaminhar a matéria de forma estruturada para deliberação nos pontos em que não houve consenso após as discussões.

IBRAOP: As referidas Orientações Técnicas têm sido amplamente utilizadas pelo Sistema Tribunais de Contas, você se sente recompensado por isso?

AB: Sim, é claro. Posso complementar que a OT 004/2012 cumpriu o seu papel primordial, que era enfrentar argumentos improcedentes dos responsáveis de que baixos percentuais de sobrepreço poderiam ser explicados pela natureza estimativa de um orçamento. 

No Tribunal de Contas da União, tal tese deixou de ser acolhida a partir de 2012. Percebi uma inflexão na jurisprudência do TCU, em alguns casos fazendo remissão à referida OT 004/2012. Cito como exemplo o Acórdão 3.095/2014-Plenário, em que, dentre outras ocorrências, se discutia sobrepreço correspondente a 7,97% do valor global do contrato, calculado com base nas composições do Sicro. O exame de mérito da unidade técnica tinha concluído pela insubsistência do referido sobrepreço “uma vez que tal percentual encontra-se na faixa de precisão esperada do custo global estimado de uma obra em relação ao seu custo global final”. Analisando o ponto, o relator opinou pela improcedência do raciocínio utilizado pela unidade técnica para relevar o sobrepreço apurado. Reproduzindo excerto da OT-IBR 004/2012, que prevê faixa de precisão de 10%, concluiu o relator que aquela norma “não diz respeito à margem aceitável de sobrepreço ou superfaturamento, mas ao desvio máximo esperado entre o orçamento de uma obra e o orçamento elaborado após a conclusão da obra, com base nos preços, consumos e produtividades efetivamente incorridos, sem significativas alterações de escopo”.

Outros vários julgados posteriores do TCU corroboraram com essa tese, conforme excertos reproduzidos a seguir:

“Não existe percentual tolerável de sobrepreço global nas contratações públicas, especialmente quando a análise da economicidade se baseia em amostra representativa e os preços paradigmas são extraídos dos sistemas oficiais de referência.” (Acórdão 844/2017-Plenário).

“Inexiste percentual de sobrepreço aceitável, de modo que não podem ser admitidas faixas de tolerância para a ocorrência de sobrepreço nas contratações públicas.” (Acórdão 2.601/2016-Plenário).

No que se refere à OT 005/2012, há um grande alinhamento conceitual e procedimental com o disposto no Roteiro de Auditoria de Obras Públicas do TCU, que também foi aprovado ao final do ano de 2012.

IBRAOP: A produção técnica do Instituto tem auxiliado sua atuação no trabalho?

AB: Sim. Eu destacaria como exemplo a OT 003/2011 (Garantia Quinquenal de Obras Públicas), no qual me baseei para instruir o processo que levou à prolação do Acórdão 853/2013-Plenário, que é um entendimento muito importante do TCU, o qual foi endereçado para toda a Administração Pública Federal.

IBRAOP: Na sua visão quais atividades ou produtos do Ibraop têm mais bem contribuído para atuação dos órgãos de controle?

AB: Os diversos procedimentos de auditoria que estão disponibilizados gratuitamente no site do Ibraop representam o estado da arte em fiscalização de obras públicas, servindo tanto aos gestores públicos incumbidos do planejamento, licitação e execução de obras públicas quanto aos servidores dos órgãos de controle designados para avaliar a regularidade desse tipo de contratação.

Outrossim, considero simplesmente fantástica a cartilha sobre a aplicação da Lei de Benford à auditoria de obras públicas.

IBRAOP: Quais assuntos você poderia destacar para atuação do Ibraop no sentido de continuar contribuindo para a melhoria do controle das obras públicas em nosso país?

AB: Acho que ainda temos muita polêmica sobre o uso das empreitadas por preço global nas obras públicas, de forma que seria desejável a expedição de uma orientação técnica sobre os regimes de execução contratual.

Tenho visto também diversas irregularidades associadas ao uso do sistema de registro de preços em obras públicas. Não tenho nada contra o instituto do SRP, porém, quando uma ata de registro de preços não é bem concebida e estruturada, se torna uma verdadeira arma de destruição em massa. Cito como exemplo de grave irregularidade o procedimento entabulado por alguns órgãos que pegam “caronas” em atas de registro de preços de serviços de manutenção predial para executar verdadeiras obras de reformas. Tais objetos estão sendo executados sem projetos e sem a prévia licitação, usando a ata de registro de preços como uma espécie de contrato “guarda-chuva”, com toda a sorte possível e imaginável de problemas e irregularidades. Portanto, seria salutar que o Ibraop se debruçasse sobre o tema.

Há também polêmicas diversas envolvendo assuntos relacionados com termos de aditamento contratual, que julgo ser a trincheira mais forte da corrupção na execução de obras públicas no Brasil. Se por um lado, observo um controle ostensivo dos Tribunais de Contas sobre os projetos, as licitações de obras públicas e as respectivas planilhas orçamentárias, considero frágil e praticamente insubsistente o controle dos aditamentos contratuais. Pelo Brasil afora, proliferam aditivos sem fundamento legal. Fica a impressão de que os pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos se comportam de forma inversamente proporcional à redução da taxa de inflação. Nos últimos anos observamos taxas de inflação da ordem de 3% ao ano, ao passo que os claims dos construtores têm sido atendidos com extrema benevolência pela administração pública.

Correndo o risco de me alongar demasiadamente nesta resposta, chegou a hora de os órgãos de controle olharem com carinho para a manutenção e conservação da infraestrutura atualmente existente. Viadutos e pontes estão desabando pelo país inteiro, pois a maior parte de nossa infraestrutura está totalmente depreciada e com a sua vida útil exaurida. A bibliografia sobre o tema aponta que a postergação de gastos com manutenção/conservação dos empreendimentos resulta em expressivo aumento de custo com intervenções posteriores. Seria o caso de o Ibraop sopesar a edição de alguma publicação sobre boas práticas em manutenção e conservação de edificações e obras de infraestrutura, bem como atuar junto aos seus associados para ressaltar a importância de os órgãos de controle cobrarem dos jurisdicionados a adequada conservação dos bens públicos.

Finalmente, muitos investimentos públicos são realizados por meio concessões e parcerias público-privadas. É uma tendência que tende a aumentar na medida em que os recursos públicos vão ficando escassos, o que infelizmente deve ser a tendência para os próximos anos. No âmbito do TCU, observamos saltos quânticos na qualidade das fiscalizações dos contratos de concessão depois que os auditores de obras passaram a atuar nessa área. Tais ações de controle antes tinham escopo limitado à aspectos jurídicos e ao exame da modelagem econômico-financeira da contratação. As unidades técnicas especializadas em infraestrutura do TCU trouxeram outras abordagens para o assunto, incorporando sua expertise na análise de projetos e custos dos investimentos, bem como na qualidade dos serviços executados pelo concessionário.

Como exemplo de casos impactantes, convido os leitores a examinar as auditorias do TCU que apreciaram as obras da nova subida da Serra de Petrópolis/RJ, que é objeto da concessão da BR-040 no trecho Rio-Juiz de Fora (Acórdão 18/2017-Plenário), ou o Acórdão 1.096/2019-Plenário, que analisou a concessão da BR-364 em Minas Gerais e Goiás. Existem ainda auditorias recentes envolvendo as revisões tarifárias dos contratos de concessões rodoviárias e referentes aos investimentos não realizados nas concessões. São trabalhos de fiscalização de grande visibilidade e relevante impacto social e econômico.

Assim, concluo que talvez o Ibraop possa contribuir para aprimorar o controle dos investimentos públicos realizados no bojo de concessões e parcerias público-privadas, seja editando orientações técnicas sobre o tema, seja produzindo novos procedimentos de auditoria.


André Pachioni Baeta é graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade de Brasília (1996). Desde 2004, exerce o cargo de Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, atuando na fiscalização e controle de obras públicas. Foi responsável pela elaboração do Roteiro de Auditoria de Obras Públicas e pela Cartilha “Orientação para Elaboração de Planilhas Orçamentárias de Obras Públicas” do TCU. É autor de diversos livros e ministra cursos sobre RDC, licitação e fiscalização de contratos, auditoria e orçamentação de obras públicas. Atualmente, exerce a função de Assessor em Gabinete de Ministro do TCU.