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ENTREVISTA: ELCI PESSOA JR. CONTA COMO FOI PARTICIPAR DA EDIÇÃO DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA E DE PROCEDIMENTOS DE AUDITORIA DO IBRAOP

Elci Pessoa Júnior é engenheiro consultor do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), para Auditoria em Obras Rodoviárias e Pavimentação Urbana. É coautor do livro Auditoria de Engenharia, uma contribuição do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), e foi consultor-técnico dos Tribunais de Contas do Distrito Federal (TCDF) e de Mato Grosso (TCE-MT).

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É autor de diversos artigos publicados nos Encontros Técnicos (Enaops) e Simpósios Nacionais (Sinaops) realizados pelo Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), tendo relatado a elaboração da Orientação Técnica que disciplina as garantias quinquenais de obras públicas – a OT-IBR 003/2011 –  e coordenado o grupo de trabalho responsável em elaborar os Procedimentos para Auditorias em Obras Rodoviárias e Vias Públicas.

Em razão da comemoração dos 20 anos de fundação do Ibraop em 2020, Elci foi convidado a relembrar um pouco dessa história. Confira a entrevista abaixo:

Ibraop: Você em muito tem contribuído para a consolidação técnica do Ibraop. Como você vê o Instituto depois desses 20 anos?

EP: Percebo um Instituto cada vez mais amadurecido em suas relações com os Tribunais de Contas, outros órgãos e organizações sociais, ou seja, bem consolidado e com uma visão clara de seu papel no cenário das obras públicas.

É uma referência cada vez mais segura e procurada por todos os que atuam com obras públicas, seja em auditoria, execução ou fiscalização. Suas Orientações Técnicas têm sido cada vez mais utilizadas pelas Cortes de Contas, ao ponto de várias destas inclusive alçá-las ao status de Resoluções Normativas.

O Ibraop, enfim, segue integrando os profissionais que atuam em auditoria de obras, mas de modo ainda mais ativo: pesquisando e desenvolvendo novas técnicas e abordagens em auditoria.

Ibraop: A produção técnica do Instituto tem auxiliado sua atuação no trabalho?

EP: Bastante. As Orientações Técnicas e os próprios Procedimentos de Auditoria têm o condão de emprestar confiabilidade às argumentações de auditoria, diminuindo os pontos de subjetividade nos relatórios técnicos. Citar, por exemplo, que ‘foram observados os procedimentos implementados pelo Ibraop’, é trazer para o seu lado a opinião debatida e consolidada pelos auditores de obras de todo o país. Os pontos já consolidados pelo Instituto prescindem de maiores argumentações.

É claro que toda obra é um objeto singular, e que o auditor precisa estar atento às nuances que muitas vezes demandam ajustes, mas isso é bem diferente de ter-se que “partir do zero” e “reinventar a roda” a cada novo trabalho.

Ibraop: Como surgiu a ideia da sua proposição e como foi a sua participação na edição da Orientação Técnica OT 003/2011 – Garantia Quinquenal de Obras Públicas?

EP: Em trabalhos por volta de 2005, pelo TCE-PE, nós percebemos que aquela garantia quinquenal de obras prevista no Código Civil, já tão consolidada no meio privado, ainda precisava ser mais acionada pelos órgãos gestores de obras públicas.

Mais adiante, já por volta de 2010, trabalho semelhante, agora desenvolvido em assessoria ao TCE-MT, também evoluiu para conclusões similares. Naquela ocasião, inclusive, o TCE-MT desenvolveu uma forte campanha de conscientização social para a importância de os gestores públicos observarem e utilizarem as garantias quinquenais das obras. Tal campanha partiu da realização de reuniões internas com entidades de classe, fóruns abertos à sociedade e acabou ganhando os veículos de comunicação.

Restava claro, então, que precisávamos de uma Orientação Técnica Nacional, para estender a todo o país, as discussões sobre o tema, já mais amadurecidas.

Àquela época, eu era o diretor Técnico do Ibraop e propus, então, a elaboração da OT, para a qual tive apoio irrestrito, não só da Presidência como de toda a Diretoria Executiva. Assim, elaboramos uma minuta do texto e formamos uma Comissão Nacional para discutir e deliberar sobre cada item.

O empenho de todos foi fundamental para que conseguíssemos chegar ao texto final em tempo de apresentá-lo no Congresso da Atricon, em Belém (PA), no final de 2011. E, para a nossa felicidade, a Atricon, na Declaração de Belém, acabou por recomendar a todos os Tribunais de Contas do país que implementasse a auditoria de qualidade em obras públicas, com base nos entendimentos e procedimentos consolidados na então recém editada OT-IBR 003/2011.

Daí em diante, não só diversos TCs vêm desenvolvendo auditorias com base nos princípios dessa OT, como cada vez mais administrações públicas têm praticado suas diretrizes.

Ibraop: A referida Orientação Técnica tem sido amplamente utilizada pelo Sistema Tribunais de Contas. Você se sente recompensado por isso?

EP: Sim, bastante. Um trabalho que ganhou repercussão nacional e gerou ótimos resultados. Essa orientação técnica é do interesse de todos, inclusive das próprias empresas construtoras. Eu me lembro bem, inclusive, de uma reunião havida em Cuiabá, no TCE-MT, na qual o Sinduscon inclusive manifestou apoio e mencionou que a exigência de melhor qualidade nas obras públicas vinha ao encontro dos interesses das boas empresas do setor e tendia a deixar mais árido o terreno daquelas que não tinham maiores compromissos com qualidade.

Acho que essa OT veio para contribuir para um processo de melhoria contínua na qualidade de nossas obras públicas.

Ibraop: Sua participação consolidou a produção dos Procedimentos de Auditoria de Obras Rodoviárias e Vias Públicas, quais destaques você pode fazer sobre isso?

EP: Três pilares fazem das obras rodoviárias e pavimentações urbanas, uma área de atuação que demanda especial atenção de nossas Cortes de Contas: relevância financeira dos investimentos públicos; alta frequência de ocorrência de patologias precoces; e especialização dos profissionais que atuam nessas obras.

Sendo assim, é imprescindível que os TCs especializem seus quadros de auditoria, para que possam atuar em um escopo maior e em nível de precisão melhor.

Quando se vai a campo, não basta aferir-se as medidas visíveis da obra, ou vistoriar-se apenas eventuais defeitos perceptíveis a olho nu – os achados seriam insuficientes; não seria uma boa auditoria.

É preciso investigar-se o que é relevante, ainda que imperceptível aos olhos. E para isso os auditores precisam conhecer bem do objeto de sua auditoria; precisam entender especificamente de obras rodoviárias e debater tecnicamente com profissionais com anos de experiência no assunto.

Foi justamente observando esse cenário e constatando forte heterogeneidade nas abordagens de auditorias levadas a cabo em obras do tipo país afora, que surgiu a ideia de implementar e detalhar procedimentos orientadores nacionais, que pudessem ajudar os auditores na busca por irregularidades nas obras e orientá-los quanto às suas investigações e melhor instrução processual.

Mas também é importante destacar que esses procedimentos vêm a preencher uma lacuna normativa: as normas técnicas rodoviárias existentes foram pensadas e elaboradas para fins de execução e fiscalização direta de obras, enquanto os procedimentos de auditoria do Ibraop são concebidos especificamente para fins de auditoria e perícia – a distinção pode até parecer sutil, mas quem atua no meio percebe fortemente a necessidade desses detalhamentos específicos.

Fico então muito feliz pela oportunidade que tive de compartilhar minhas experiências para esse fim, e de trabalhar com um grupo tão focado e motivado. Por tudo isso, sinto-me ainda bastante honrado, por ter sido o primeiro coordenador desse projeto.

Ibraop: Você pode comentar sobre a implantação dos laboratórios de auditorias de obras rodoviárias pelos Tribunais de Contas?

EP: Realidade hoje já em diversos Tribunais de Contas do país, os laboratórios de auditoria de obras rodoviárias foram um sonho de anos atrás, no qual resolvemos acreditar e trabalhar dia-a-dia para que essa ideia se disseminasse.

E o que percebemos é que não só se espalhou, como se desenvolveu: desde os primeiros ensaios, realizados, ainda com utilização dos laboratórios instalados na próprias obras auditadas, passando pelo primeiro caminhão-laboratório próprio (do TCE-GO), até as atuais unidades mistas (laboratório físico associado ao móvel), o sonho vem não só crescendo como se aperfeiçoando, e em passos cada vez mais acelerados.

De fato, foram muitos os esforços para multiplicarmos esses laboratórios pelo país. Para citar um em especial, eu me lembro que abrimos um espaço, em meio a um Simpósio em Florianópolis (para onde, com o apoio do TCE-GO, inclusive foi mobilizado seu caminhão-laboratório, para exposição), no qual eu tive o privilégio de falar para um grupo de conselheiros e expor-lhes onde poderíamos chegar com essa ferramenta. Trouxemos dados bem objetivos e, pudemos, lá mesmo, perceber que a ideia havia sido bem aceita.

Hoje já são vários os TCs que dispõem de estrutura de apoio de laboratório para as auditorias, e até mesmo os seus moldes já são diversos: há Tribunais que ergueram suas próprias instalações; outros que se conveniaram com universidades e institutos para que estes realizem seus ensaios; outros com convênios que preveem a aquisição de equipamentos complementares pelos TCs e realização direta dos seus ensaios; e há ainda os TCs que optaram por contratar os serviços de empresas privadas para tal.

Seja qual for o molde, eu penso que o fundamental é não perder de vista que os laboratórios são ferramentas para uma boa auditoria e instrução processual, e não a finalidade destas. O auditor precisa previamente entender bem seu escopo de trabalho, saber o que deve investigar, onde quer chegar, e, a partir disso, utilizar os ensaios de laboratório como subsídio aos seus achados de auditoria. Se distorcermos essa ideia, poderemos nos fadar a inócuas repetições das fiscalizações de obras.

O desafio hoje, portanto, é utilizar cada vez mais e melhor os laboratórios implementados e capacitar mais e mais os nossos auditores, para que eles direcionem essas ferramentas, com cada vez mais eficácia, para os fins próprios de auditoria.

Ibraop: Quais assuntos você poderia destacar para atuação do Ibraop, no sentido de continuar contribuindo para a melhoria do controle das obras públicas em nosso país?

EP: Penso que o Ibraop deve ampliar ainda mais seu trabalho de divulgação, entre os TCs, de suas Orientações Técnicas, Procedimentos etc., com o objetivo de propiciar que as melhores práticas em auditoria de engenharia sejam praticadas e alcancem cada vez mais órgãos públicos executores de obras. Estou certo de que isso se refletirá, inclusive, em obras de maior qualidade, que acabam também por se mostrarem mais econômicas, na medida em que passam a ter maior durabilidade e eficiência.

Além disso, é importante que o Ibraop procure atuar em outras frentes que lhe permitam contribuir para que o cenário legislativo e normativo nacional seja mais receptivo às ações de transparência e auditoria e propiciem uma maior eficácia do controle.


Elci Pessoa Júnior é engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco, Pós-Graduado em Auditoria de Obras Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco e Bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife, também da UFPE. Antes de ingressar no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco foi Engenheiro Rodoviário pela Construtora Queiroz Galvão S/A. É Engenheiro Consultor da New Roads e Consultor Internacional do IP INSTITUT FÜR PROJEKTPLANUNG GmbH (Alemanha), para supervisão de Obras Rodoviárias.