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ENTREVISTA: “ASSOCIADO FUNDADOR RELEMBRA A FUNDAÇÃO DO IBRAOP HÁ 20 ANOS”

André Luiz Mendes é auditor aposentado do Tribunal de Contas da União (TCU) e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas, inclusive, já homenageado “por sua competente trajetória profissional e dedicação proficiente na promoção das ações do Ibraop”, durante a realização do Enaop de 2017.

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Em razão da comemoração dos 20 anos de fundação do Instituto em 2020, Mendes foi convidado a relembrar o início da história do Ibraop e a falar sobre sua sua atuação como profissional e contribuição ao sistema de controle externo. Confira a entrevista abaixo:

IBRAOP: Como associado fundador, como você vê a atuação do Ibraop após 20 anos?

AM: Vejo como um sonho realizado. Aquela entidade que vimos nascer frágil, dependente da abnegação de meia dúzia de voluntários, se transformou numa instituição sólida. Se, no início, qualquer descuido nosso poderia causar a morte do Instituto, hoje ele é forte e tem brilho próprio. O Ibraop ocupa um espaço relevante no cenário do controle das obras públicas brasileiras e é reconhecido e respeitado nesse meio.

IBRAOP: Como foi a atuação do Conaop – Comitê Nacional de Auditoria de Obras Públicas, instituição provisória criada no IV Sinaop com objetivo de fundar o Ibraop?

AM: A criação do Conaop foi uma boa ideia de alguns colegas para servir como transição até a criação do Ibraop. Realizamos várias reuniões, tendo sido a primeira em Fortaleza (CE), nos dias 4 e 5 de maio de 2000, e a última nos dias 18 e 19 de novembro de 2000, às vésperas do V Sinaop, em Salvador (BA). Éramos oito componentes e todas as regiões geográficas do país estavam representadas. Daquele grupo, três ainda estão vinculados ao Ibraop: eu, Pedro Jorge (TCE-SC) e Adelaide (TCE-MG). Também era missão do comitê cadastrar os auditores de obras de todos os TCs, criar a homepage do Conaop e organizar a realização do V Sinaop. Mas, sem dúvida, a missão mais relevante e desafiadora era criar o Ibraop. Lembro-me que as discussões para aprovar a minuta do estatuto foram intensas e tomaram todo o sábado e o domingo que antecederam o V Sinaop.

Mas há uma característica importante do Ibraop, muitas vezes esquecida, que nasceu ali, naquele comitê: os diretores do Instituto (e alguns membros do conselho deliberativo) formam um grupo de amigos. Há amizades sólidas criadas desde aquela época e isso acabou por se constituir em enorme alento para quem deixa o lar, às vezes em voos em horários ingratos, para realizar um trabalho voluntário e sem qualquer remuneração. O prazer de rever os amigos e, muitas vezes, tomar um chope ao final dos trabalhos, torna esses encontros assaz agradáveis.

IBRAOP: Você fez parte da primeira Diretoria Executiva do Instituto, nos anos 2001 e 2002. Conte um pouco  sobre esse período.

AM: Estávamos engatinhando! Fui o primeiro diretor financeiro, mas nossos recursos eram irrisórios nessa época. Nossa arrecadação era restrita à contribuição pessoal dos associados e nossas despesas se limitavam aos gastos para a legalização do Ibraop como pessoa jurídica. Qualquer reunião que fizéssemos era 100% dependente do apoio dos TCs, nos quais os diretores eram lotados, para custear diárias e passagens. 

Há uma história hilária desse período. Durante o V Sinaop, recolhemos a contribuição de associação de muitos colegas auditores. Como o Instituto ainda teria que ser legalizado, é claro, não possuía conta bancária. Por isso, ao retornar a Brasília, pedi à minha esposa que guardasse muito bem aquele envelope com quase uma centena de notas de R$10,00 e R$20,00, pois eu o pediria de volta dali a algum tempo. Quando finalmente, uns seis meses depois, tínhamos a conta aberta, eu já havia me esquecido daquele dinheiro. Até que um dia, com muito tato, o então presidente Pedro Jorge me perguntou onde estava o montante arrecadado no Sinaop. Fiquei lívido. Lembrei-me de ter ficado com o tal envelope, mas onde estaria ele? Não tinha a menor ideia! Ao chegar em casa, compartilhei minha angústia com minha esposa: “trouxe de Salvador um envelope com uns mil reais do Ibraop e não tenho ideia do que fiz com ele…”. Na maior tranquilidade, ela respondeu: “você me pediu para guardá-lo bem, e eu guardei; está aqui”. Em poucos segundos, ela pegou o envelope escondido num fundo de armário e me entregou, para meu alívio!

IBRAOP: Você teve uma participação efetiva, na edição das Orientações Técnicas OT – IBR 002/2009 (Obra e Serviço de Engenharia) e OT – IBR 006/2016 (Anteprojeto de Engenharia). Como foram executados esses trabalhos?

AM: Poucas reuniões presenciais, muitas discussões e intensa busca pelo consenso marcam os trabalhos dos grupos responsáveis pela elaboração das OTs. É um produto de extrema responsabilidade, pois tendem a balizar os entendimentos, não só dos TCs, mas de toda a comunidade técnica envolvida com obras públicas.

IBRAOP: As referidas Orientações Técnicas têm sido amplamente utilizadas pelo sistema Tribunais de Contas. Como você se sente com relação a isso?

AM: É reconfortante quando as vemos se tornarem referências nacionais, como ocorreu com a OT – IBR 001/2006 (Projeto Básico), adotada até pelo Confea. Creio que destino semelhante terá a referente a anteprojeto, peça técnica cujo uso tende a se disseminar significativamente nas licitações públicas em razão das recentes alterações legislativas.

IBRAOP: Ao seu ver, quais atividades ou produtos do Ibraop mais têm contribuído para a  atuação dos órgãos de controle?

AM: A realização de Sinaops e Enaops, já há duas décadas sob a coordenação técnica do Ibraop, foi um verdadeiro divisor de águas. As áreas de engenharia dos TCs eram ilhas isoladas, cada uma reinventando sua própria roda. A integração dessas áreas, propiciada pelos seminários e encontros técnicos, sem dúvida foi a responsável por um salto de qualidade na realização de auditorias de obras pelos TCs. Além disso, a edição das OTs e dos procedimentos de auditoria passaram a prover o sistema de controle de ferramentas robustas e confiáveis para o cumprimento de sua missão.

IBRAOP: Como a produção técnica do Instituto tem auxiliado na sua atuação profissional?

AM: É notório que a produção técnica de auditores e pareceristas não pode se embasar em “achismos” ou em opiniões pessoais. Os relatórios e pareceres precisam se basear na literatura técnica e na jurisprudência para que gozem de credibilidade. As OTs e os procedimentos do Ibraop se tornaram o que há de mais proeminente como fontes para esses trabalhos, exatamente porque conciliam o que há de melhor na literatura técnica com os mais recentes entendimentos jurisprudenciais dos TCs.

IBRAOP: Quais assuntos você destacaria para que a atuação do Ibraop continue contribuindo para a melhoria do controle das obras públicas no país?

AM: Ainda há necessidade de se elaborarem muitas OTs e muitos procedimentos. E novas necessidades irão surgindo, especialmente porque as normas de licitações e contratos de obras públicas têm sido muito alteradas. Entretanto, creio que o mais importante agora seja o Ibraop ser reconhecido pela sociedade como instituição referencial e impoluta no que concerne ao controle de obras públicas. Por exemplo, sempre que se questiona algo sobre a regularidade da execução do orçamento da União, a ONG Contas Abertas é consultada pela mídia. Eu gostaria que o Ibraop se aproximasse mais da imprensa, do Congresso Nacional e de organizações sociais afins, como a ANTC. Assim, sempre que dúvidas pairassem sobre a correta condução das obras públicas brasileiras, jornalistas procurariam o Ibraop para ouvir o diagnóstico de uma instituição cujo único norte é o interesse público. Esse é o meu sonho hoje.


André Luiz Mendes é engenheiro civil, graduado e pós-graduado em Auditoria de Obras pela Universidade de Brasília (UnB). Foi auditor do TCU de 1995 até 2018, tendo ocupado o cargo de Secretário de Fiscalização de Obras entre 2007 e 2012. Dedica-se há mais de 20 anos às atividades relacionadas à auditoria de obras públicas, tendo realizado diversas fiscalizações, dentre as quais se destaca a avaliação dos valores desviados do conhecido complexo do TRT/SP.